Bruxaria para libertar a alma de meu pai



Nós não devíamos poder pintar-te a nosso bel-prazer
– a ti, crepúsculo de onde brota a manhã:
em paletas antigas rebuscamos
aqueles matizes e aqueles traços
que a santidade usava para te encobrir.

Diante de ti levantamos imagens, como paredes,
de modo que ao redor de ti mil muros crescem:
e assim é que te velam nossas mãos devotas
sempre que a ti se abrem nossos corações.

Rainer Maria Rilke

 

 

 

 

Com o poder dos afetos presos

Conjuro o teu espírito

Em todos os quatro cantos

Onde na minha memória ele habita

Liberto o teu espírito

Abruptamente

Como um dia veio a morte e te livrou a vida

Assim, naturalmente, como a terra comeu a tua carne

E a água paciente transforma aos poucos a pedra mais bruta na mais macia areia

E o vento cego e inquieto a areia em pó desmancha, em perfume volatiza e na alma oculta

Com a força do tempo voraz

Eu te quero livre

Agora e para sempre

Liberto-te dos teus ossos

Liberto os teus ossos de todos os passados e futuros conjuros

Para o meu, ou o de quem quer que seja, mal ou bem egoístas

Não porque não existam mais desejos egoístas, eles existem e são muitos

Mas porque acima dessa vida há a outra

E nessa outra não existe maior desejo do que o meu por liberdade

Junto da certeza de que maior magia entre os mundos não há do que desejar ao outro o próprio desejo

E até a última fibra do meu ser trepida ante a esse livramento por amor

Porque só existe amor verdadeiro em liberdade

E beleza somente em liberdade se contempla

E justiça se faz quando os espíritos estão libertos

Enfim, eu te desejo a liberdade

Aqui e além

Para que a dor se desmanche

Para que o sofrimento tenha fim

Para que a memória se prenda por laços de ternura apenas

Para que o amor viva eternamente

Além da estrela de Aldebaran

E da memória e do esquecimento

Livro-te dos últimos laços a que os ossos te prendiam

Eu ateio a pira da tua liberdade

E com o fogo do espírito santo selo o teu destino

Além de Antares

Além de Andrômeda

Assim, num sem-lugar sem mais centro

Além de constelações visíveis e galáxias conhecidas

E entre qualquer espaço

Entre uma galáxia e outra

Livro-te do jugo das memórias e dos lamentos dos pedidos

Para que cumpras com o teu outro destino, aquele que sempre se quis e nunca se pôde

Liberto-te dessa vida

Para que o teu espírito voe

Além…

 

 

 Juçana Corrêa

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